27 de maio de 2011

Quebra-galho de R$ 20 milhões

O que deveria ser mais uma alternativa para o transporte, mais uma vez, foi renegada ao improviso!

Com o valor equivalente ao custo de 1 km da nova ciclovia da Zona Oeste - quase R$ 900 mil - daria para construir uma estrada com a mesma extensão e ainda sobraria troco, segundo a Associação das Empresas de Engenharia do Estado do Rio (Aeerj).

Ou 500 metros de uma rodovia, de acordo com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) ou de uma rua, pela tabela da Empresa de Obras Públicas do Estado (Emop). Inaugurada em meados de maio, a ciclovia de R$ 19.733.162,40 foi qualificada como "um quebra-galho" pelo engenheiro civil Abílio Borges, assessor da presidência do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea), que avaliou a obra a pedido do GLOBO.

Ao percorrer o trecho, a ciclovia de 22km entre Campo Grande e Santa Cruz CSA/Companhia Siderúrgica do Atlântico), Abílio Borges encontrou rachaduras nas pistas, em sua maior parte compartilhada entre bicicletas e pedestres e passando rente às portas de casas e lojas. Sem falar em obstáculos para os que se aventuram a percorrê-la de bicicleta, como postes, pilastras e até orelhões no meio do caminho. Dos oito postes com placas para captar energia solar, seis não estavam funcionando e dois sequer tinham o equipamento.

A maioria dos bicicletários instalados estava com poucas ou sem uma única bicicleta estacionada. E, no trecho da Reta João XXIII, para implantar uma estreita ciclovia de um metro de largura, foi necessário reduzir a pista por onde circulam muitos ônibus e caminhões.

Jogaram R$ 20 milhões fora. O resultado é péssimo. O dinheiro foi mal aplicado. O projeto poderia ser mais bem elaborado. Colocaram bicicletários em lugares onde ninguém vai estacionar

Números da Aeerj mostram que é possível construir um quilômetro de estrada por R$ 600 mil, com drenagem parcial, e R$ 700 mil, com drenagem profunda. Já o Dnit diz que a média por quilômetro de implantação e pavimentação de rodovia em pista simples vai de R$ 1,61 milhão a R$ 2,36 milhões. Em área urbana, o arquiteto Maurício Pinheiro, que projetou ciclovias na Região dos Lagos, informa que implantar uma rua de dez metros de largura, incluindo pista de sete metros e as duas calçadas, com redes de drenagem, de água e esgoto, custa, em média, R$ 1,8 milhão, conforme a tabela da Emop.

- Uma rua tem de suportar 60 toneladas. É preciso fazer uma base e uma sub-base capazes de aguentar o tráfego de veículos pesados. Implantar uma ciclovia é muito mais simples. Uma ciclovia comum custa entre R$ 109 mil e R$ 120 mil por quilômetro. A que foi feita na Zona Oeste foi muito cara - avaliou Pinheiro.

A nova ciclovia não é contínua nem tem um padrão único. Talvez por isso a via tenha recebido a denominação oficial de "Ciclovias Integradoras da Zona Oeste". Oficialmente, o caminho é dividido em três trechos, mas em alguma ruas, como a Francisco Belisário, em Santa Cruz, o ciclista é obrigado a trocar de calçada. Em Campo Grande, é necessário ainda atravessar uma passarela sobre a linha férrea.

Do lado de Campo Grande, o novo caminho para bicicletas é o prosseguimento de um outro já existente, cuja origem é em Bangu. Com 2km, um dos trechos inaugurados no fim de semana começa na Rua Alfredo Mariano, nas proximidades da Praça Rosária Trotta, em Campo Grande. Pintada sobre as calçadas, a via compartilhada passa a cerca de 30cm de casas e lojas. Para não ser atropelada, a moradora Maria das Graças Miranda agora tem que olhar bem para os lados antes de sair de casa:

- As bicicletas passam na minha cara. Tenho de tomar muito cuidado, principalmente quando saio com o meu neto João Gabriel, de pouco mais de 1 ano.

Do lado da Rua Campo Grande, o segundo trecho, de 14km, todo sobre a calçada, passa à margem de seis estações de trem (Paciência, Cosmos, Benjamim do Monte, Inhoaíba, Tancredo Neves e Santa Cruz). Segundo a Secretaria municipal de Meio Ambiente (Smac), o projeto previa a recuperação de passarelas sobre a linha férrea, mas o engenheiro do Crea constatou que a reforma deixou a desejar:

- Algumas, como a próxima à estação de Inhoaíba, têm problemas estruturais. Os pilares precisam de reparos - diz Abílio Borges, acrescentando que as rachaduras na via poderiam ser evitadas se tivessem sido instaladas juntas de dilatação.

A instalação de algumas placas informando que "a prioridade é do pedestre" não tem evitado acidentes. O despachante de vans Anderson Thomás, que passa boa parte do dia junto a um ponto de ônibus na Rua Campo Grande, em frente à Praça dos Estudantes, já viu alguns:

- Os passageiros desembarcam em cima da ciclovia e às vezes são atropelados.
No terceiro trecho, a ciclovia passa por vias no centro de Santa Cruz. Na Reta João XXIII, na pista estreita também tem provocado acidentes, segundo o motoboy Bruno Soares:
- Outro dia, uma ciclista capotou e se machucou bastante, quando colidiu com um outro ciclista que vinha na contramão.

As muretas de concreto baixas e os fradinhos (estes com adesivos reflexivos) que separam a ciclovia da pista na Reta João XXIII também foram criticados pelo engenheiro do Crea. Segundo ele, normas técnicas recomendam que, por segurança, as muretas sejam mais altas, arredondadas na parte superior e contínuas.

- Esses fradinhos não são uma solução. Como as muretas baixas, são pontos onde os ciclistas podem se chocar - diz Abílio, que apontou obstáculos instalados sem adesivos reflexivos nos primeiros 400 metros da via e contou nove fradinhos já curvados em consequência de colisões.
Diante do caso, o deputado federal Otávio Leite, presidente do Diretório municipal do PSDB, encaminhou uma representação ao Tribunal de Contas do Município (TCM):

- Não queremos pré-julgar. Por isso, pedimos que o TCM faça uma inspeção especial nessa ciclovia.

A Secretaria municipal do Meio Ambiente considera que o preço das Ciclovias Integradoras da Zona Oeste não é incompatível com a qualidade da obra, inaugurada no mês de maio. De acordo com o secretário Carlos Alberto Muniz, foram necessárias intervenções específicas.

- Construir ciclovias na Zona Oeste não é como implantá-las na Zona Sul, onde se tem infraestrutura e rede de drenagem prontas. Só de galerias pluviais implantamos 1,3km. Construímos cinco pequenas pontes sobre valões e instalamos dez pontos de ônibus, além de termos recuperado passarelas - enumerou o secretário.

O subsecretário Altamirando Moraes afirma que, do valor contratado, cerca de R$ 7 milhões são destinados à ciclovia propriamente dita.

- Boa parte do dinheiro foi usado na reurbanização do entorno das estações de trens da Zona Oeste - justifica o subsecretário.

A secretaria classifica como reurbanização a instalação de 38 postes solares e bicicletários - que somam mil vagas e custaram R$ 231 mil - nas proximidades de escolas, estações de trens e do terminal rodoviário de Campo Grande, reparos e reconstrução de calçadas, além do plantio de mais de 50 mil mudas de árvores, vegetação rasteira e plantas ornamentais.
Outro detalhe mencionado por Moraes é a implantação do que chama de ciclo-rampa, que atravessa a linha férrea em Santa Cruz. Ele acrescenta que a ciclovia da Zona Oeste, apesar de ter sido oficialmente inaugurada, ainda não está totalmente pronta.

- Como ocorre em toda licitação, há um prazo de três meses para ajustes - declara Moraes, ressaltando que não houve aditivo ao valor da obra.

A secretaria também destacou que a ciclovia da Zona Oeste é a primeira da cidade que vai beneficiar os trabalhadores, ao se integrar com terminais de ônibus e estações de trem da região.
Sobre a existência de postes solares não funcionando ou sem placa, a secretaria informou que todos os equipamentos estarão funcionando na semana que vem. Moraes minimizou o mau estado de equipamentos urbanos - já há placas quebradas e fradinhos tortos - dois dias após a inauguração oficial do novo caminho.

- Os postes solares, por exemplo, foram colocados antes do último domingo. É natural que uma coisa ou outra já tenha sofrido algum dano.
Segundo a prefeitura, desde ontem, a Andrade Gutierrez - construtora da pista - começou a repor caixas e placas de postes solares que haviam sido retirados. Em e-mail, a construtora afirmou, que, por razões contratuais, não "não tem autorização para tratar publicamente sobre valores e detalhamentos das obras que realiza".



Fonte: O Globo (maio/2011)